Telma: A força de uma mulher
Com tantas experiências memoráveis e história de vida, a tubaronense Telma de Carvalho facilmente escreveria um livro. Com apenas 15 anos de idade vivenciou a considerada maior tragédia do sul do país nos últimos 40 anos, a enchente de 1974. Nascida no berço de uma família católica tradicional, Telma ainda enfrentou o desafio de ser mãe solteira aos 22 anos de idade em pleno regime militar. Contudo, conta que não deu ouvidos aos julgamentos alheios, mas venceu todos os preconceitos da época.
Até hoje, não existe uma estimativa unânime da quantidade de mortos na enchente de março de 1974. Há dados que apontam 199 pessoas, uma outra lista divulgada à época mostra um número menor. O certo é que a subida do nível das águas do Rio Tubarão deixou um rastro de destruição. “ “Eu e minha família saímos da nossa casa, em Oficinas, quando um tronco arrebentou a ponte pênsil. Fomos para a casa da minha avó, que morava próximo a igreja Catedral e ficamos lá até as águas baixarem”, relembra Telma. A família Carvalho foi uma das muitas que ficaram desabrigadas, demorando pouco mais de sete meses para que a casa onde moravam fosse reconstruída para poderem voltar. “A nossa casa foi toda destruída e nós perdemos tudo o que tínhamos. Lembro-me que quando as águas já estavam diminuindo, fomos até o muro dos Correios e a nossa cidade tinha se tornado um rio só, totalmente coberta”, relata.
O tempo passou, e após este longo episódio, a jovem estudante passou a trabalhar com o pai em uma concessionária de automóveis, na parte administrativa. Nesse capítulo, Telma também teve um namorado, que após algum tempo juntos, a abandonou quando recebeu a notícia que ela esperava um bebê, fruto do relacionamento dos dois. Para muitas mamães, a gravidez é considerada um momento mágico, no entanto, essa fase da vida de Telma veio acompanhada de dúvidas e medos. “Meu namorado não quis assumir a paternidade e depois disso nunca mais tivemos contato. Mas o maior medo que eu tive foi o de contar tudo isso ao meu pai, e quando contei, ele me proibiu de sair de casa até para trabalhar. Minha mãe e meus irmãos me deram muita força, e conseguiram sensibilizar o meu pai para que eu pudesse seguir a minha vida sem largar o emprego”, conta. Telma ainda conta que sofreu muito preconceito por estar na posição de mãe solteira. “O dia em que eu cheguei na igreja que eu frequentava, para pedir para batizar a minha filha, disseram-me que eu deveria ter vergonha de até mesmo pisar dentro da igreja”, ressalta.
Apesar de todos os obstáculos, como já dizia aquela velha canção, composta em 1982 e gravada pelo grupo Roupa Nova, “não houve pedras em seu caminho e nem ondas em seu mar, não houve vento ou tempestade que impediram Telma de voar”. Após nove meses em uma gestação tranquila, nasce uma linda menina, escolhida para trazer alegria a toda a família. Nesse mesmo ano, a jovem retomou os estudos, depois de um ano sem frequentar o colégio. E então, quando concluiu o ensino médio, prestou vestibular para Serviço Social, na Unisul, em 1984. “Escolhi o curso diante de toda a minha história de vida e de sempre pensar em querer fazer algo por alguém”, conta, dizendo que também enfrentou algumas dificuldades, tendo que cuidar da filha e se dedicar também à vida acadêmica. Em sua jornada de estudos, atuou como estagiária em diversos lugares, como em um distrito policial e também na Ferrovia Tereza Cristina, onde fez um trabalho direto com os operários de linha. “Nesses quatro anos em formação, deu para conhecer toda a realidade do município. Tive a oportunidade de compreender a situação de muitas pessoas, famílias, condições de moradia, etc…”, conta Telma.
Quando enfim conquistou o diploma da faculdade, seu primeiro emprego foi em um Centro Comunitário, atendendo à população. Após este período Telma se inscreveu para o Conselho Tutelar, onde trabalhou com crianças e adolescentes por seis anos na área e depois na Vara da Infância e Juventude por dois anos, no Fórum. Em 2001 retornou a prefeitura de Tubarão, participando da atuação também de outros programas sociais como o Bolsa Escola (atualmente, o Bolsa Família), dando suporte à secretaria de Educação, ao Programa Adolescente responsável (PAR) por três anos, ao programa de atendimento a população de rua até 2008, e no ano seguinte voltou a Assistência Social. “Teve uma experiência que foi muito marcante para mim, onde eu acompanhei uma senhora que havia contraído o vírus HIV. Ela já estava separada, tinha seis filhos, entre eles uma filha com com Lúpus (doença autoimune que pode afetar principalmente pele, articulações, rins, cérebro mas também todos os demais órgãos). Depois essa senhora pegou tuberculose. Na época, tive até que fazer um exame para ver se a doença não tinha sido transmitida para mim. Mas não ocorreu e eu pude acompanhá-la até a sua morte”, conta Telma.
Atualmente, com 57 anos, comemora quase 20 anos de atuação dentro da prefeitura de Tubarão. Comemora o aniversário de 35 anos da única filha que ocorreu na última quarta-feira (2) e por ser avó do primeiro neto. “Não casei, continuo solteira. Hoje, olho para trás e tenho orgulho de tudo o que eu passei. Venci todos os preconceitos da minha época. Sou mãe solteira e avó com orgulho. Se naquele tempo eu soubesse de tudo o que eu seria e conquistaria não teria sofrido tanto. Tudo valeu a pena”. Dona Telma, com toda a sua bagagem e experiência deixa um conselho para todas as mulheres que passaram, passam ou não por uma situação parecida: “Jamais se renda diante das dificuldades e coloque-se sempre em primeiro lugar. Seja a mulher da sua vida. Ame-se muito. Ame-se acima de tudo.”
Fonte: Decom/PMT