Abraço a locomotiva é celebrado com decisão judicial favorável à permanência do patrimônio

O abraço simbólico à locomotiva que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) pretendia levar para a cidade de Miguel Pereira (RJ) que aconteceu na tarde desta quinta-feira (06) foi celebrado em meio a um clima de vitória. Algumas horas antes do evento criado em uma rede social, a 1ª Vara Federal de Tubarão havia determinado a suspensão da transferência do trem ou de qualquer outra peça do Museu Ferroviário.

 

Essa decisão atende a ação civil pública de autoria do Ministério Público Federal, uma das várias iniciativas que surgiram nesta semana para impedir que a cidade perdesse a Baldwin Locomotive Works 53. Na decisão, o juiz Rafael Selau Carmona considerou, entre outras situações, o trabalho e investimentos da Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor (Salv) na recuperação do patrimônio ferroviário.

 

“Considerando o zeloso e abnegado trabalho já executado pela Sociedade de Amigos da Locomotiva a Vapor na gestão do Museu Ferroviário de Tubarão e deste acervo, findo o processo de transferência envidaremos tratativas para cessão de uso do acervo a esta instituição. Portanto, por vislumbrar, nos elementos carreados com a inicial, indícios de que a locomotiva compõe o acervo identificado com a história do Município de Tubarão/SC, entendo presente a probabilidade do direito alegado pelos autores”, descreveu o magistrado.

 

Durante o abraço simbólico os convidados celebraram essa primeira vitória, mas entendem que é preciso manter a mobilização até que o risco de mudança da locomotiva seja completamente descartado juridicamente.

 

“E o melhor dessa decisão é que todo o acervo do Museu Ferroviário fica protegido”, comentou o prefeito Joares Ponticelli.
O acervo do museu também ganhou blindagem da Fundação Catarinense de Cultura (FCC) que promoveu o tombamento dos bens móveis formados por 15 locomotivas à vapor e uma movida à diesel.

 

Também nesta quinta-feira dezenas de alunos da escola Arino Bressan estiveram no museu para um abraço à locomotiva.

 

A sentença judicial na íntegra:

 

Poder Judiciário

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária de Santa Catarina

1ª Vara Federal de Tubarão

Avenida Marcolino Martins Cabral, 2001, 3º andar – Edifício Portugal – Bairro: Vila Moema – CEP: 88705-001 – Fone: (48)3621-

1404 – www.jfsc.jus.br – Email: sctub01@jfsc.jus.br

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5005689-68.2018.4.04.7207/SC

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: MUNICIPIO DE MIGUEL PEREIRA

RÉU: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT

RÉU: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN

 

DESPACHO/DECISÃO

 

Cuida-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em face de MUNICÍPIO DE MIGUEL PEREIRA/RJ, DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES (DNIT) e INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN), em que buscam a declaração de nulidade do Termo de Cessão de Uso n. 72/2018, que transfere a locomotiva a vapor classe Pacific, fabricante Baldwin, n. 53, ano 1920, do Museu Ferroviário de Tubarão, em Santa Catarina, para o Município de Miguel Pereira, no Rio de Janeiro.

 

Relatam, em síntese, que o veículo operou até o início dos anos 1980, quando a RFFSA o transferiu para a Seção de Tratamento de Dormentes, onde está localizada a sede do Museu Ferroviário de Tubarão, mantido pela Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor (SALV), que tem realizado o trabalho de conservação do patrimônio ferroviário e de preservação da memória histórica e cultural do transporte sobre trilhos.

 

Afirmam que o Município de Miguel Pereira/RJ pretende utilizar a locomotiva como material rodante para fins turísticos e, por isso, endereçou ao DNIT o pedido de cessão gratuita, o que foi deferido.

 

Alegam que tal transferência é ilegal porque: a) o DNIT cedeu o uso da locomotiva ao Município fluminense sem considerar a relevância cultural do bem para a cidade de Tubarão/SC, reconhecida por pareceres técnicos do IPHAN (Parecer n. 126/2013 e Parecer Técnico n. 385/2016), e por declaração firmada pelo Superintendente Estadual do mesmo Instituto (Declaração n. 07/2013); b) viola a legislação estadual que regula o tombamento do patrimônio cultural de Santa Catarina (Lei Estadual n. 17.565/18); e c) desrespeita convenções internacionais que determinam, sempre que possível, a conservação in situ de bens de valor histórico.

 

Ao final, requer a concessão de tutela provisória de urgência, apontando a probabilidade do direito e o risco de dano irreparável e ao resultado útil do processo (evento 1).

 

Passo a decidir sobre o pedido da tutela provisória de urgência.

 

O meio ambiente cultural inclui o patrimônio artístico, paisagístico, arqueológico, histórico e turístico. São bens produzidos por mãos humanas, mas diferem dos que compõem o meio ambiente artificial em razão do valor diferenciado que possuem para uma sociedade e seu povo.

 

Nos termos do artigo 216 da Constituição Federal, fazem parte do patrimônio cultural brasileiro “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

 

O deferimento de tutelas de urgência em matéria de proteção de bens de valor histórico, além de concretizar mandamento constitucional, encontra apoio no artigo 12 da Lei nº 7.347/85, que regula a ação civil pública. Segundo citado dispositivo, o juiz poderá conceder mandado liminar, constatadas a presença de periculum in mora, ou seja, o risco de dano, e de fumus boni iuris, que diz respeito à plausibilidade do direito material.

 

Já o art. 300 do Novo Código de Processo Civil estabelece que “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

 

Em matéria histórico-cultural, o cerne da tutela jurídica é a prevenção ou a mais completa reparação dos danos ocasionados, visto que estes afetam toda a coletividade e comprometem a própria identidade de uma comunidade e das futuras gerações.

 

1. A probabilidade do direito.

 

No caso em tela, a probabilidade do direito reside no fato de que o objeto desta ação, a locomotiva a vapor classe Pacific, n. 53, Fabricante Baldwin Locomotive Works, ano 1920, enquanto esteve em funcionamento, operou na regisão sul de Santa Catarina e, hoje, é parte integrante do acervo do Museu Ferroviário de Tubarão.

 

Segundo o art. 4º da Portaria n. 407/2010, do IPHAN, são passíveis de inclusão na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário os bens móveis e imóveis oriundos da extinta RFFSA “Que apresentarem correlação com fatos e contextos históricos ou culturais relevantes, inclusive ciclos econômicos, movimentos e eventos sociais, processos de ocupação e desenvolvimento do País, de seus Estados ou Regiões, bem como com seus agentes sociais marcantes”.

 

Na declaração n. 07/2013, da então Superintendente Estadual do IPHAN em Santa Catarina, Liliane Janine Nizzola, consta o seguinte (evento 1, PROCADM2, fl. 74):

 

Declaramos para os devidos fins que o acervo de bens pertencente à antiga Rede Ferroviária Federal S/A, sob guarda do Museu Ferroviário de Tubarão, encontra-se em processo de transferência para o Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (processo IPHAN n. 01450.007171/2010-12) por ser considerado de interesse histórico e cultural.

 

Considerando o zeloso e abnegado trabalho já executado pela Sociedade de Amigos da Locomotiva a Vapor na gestão do Museu Ferroviário de Tubarão e deste acervo, findo o processo de transferência envidaremos tratativas para cessão de uso do acervo a esta instituição.

 

Portanto, por vislumbrar, nos elementos carreados com a inicial, indícios de que a lomocativa compõe o acervo identificado com a história do Município de Tubarão/SC, entendo presente a probabilidade do direito alegado pelos autores.

 

2. O perigo de dano pela demora.

 

O perigo da demora estará caracterizado pelo Termo de Cessão de Uso Gratuito de Bens Móveis n. 72/2018 (evento 1, PROCADM4, fls. 01-03), do DNIT, assinado em favor da Prefeitura do Município de Miguel Pereira/RJ, e da iminência do transporte da locomotiva para a cidade fluminense.

 

Conforme informação recebida por telefone, no dia 28/08/2018, pela associação que gere o Museu Ferroviário de Tubarão, a transferência ocorreria nos próximos dez dias, a contar daquela data (evento 1, PROCADM4, fl. 10).

 

Os documentos anexados à inicial revelam que o Município cessionário tem o objetivo de empregar a máquina a vapor em passeios turísticos. Todavia, ela não estaria em condições de operar, situação que exigria gastos com a reforma do equipamento.

 

Sendo assim, a suspensão de eficácia da cessão serve de salvaguarda dos recursos do erário que seriam empregados com o transporte e eventual reparo da locomotiva, em circunstância na qual se admite como plausível a declaração de nulidade do termo firmado pelo DNIT.

 

Estão presentes, portanto, os requisitos autorizadores da tutela provisória de urgência.

 

Saliento, contudo, que, como ainda não foi instalado o contraditório, não é o caso de declarar, neste momento, a nulidade do contrato de cessão de uso, como pleiteiam os demandantes.

 

É suficiente, a meu juízo, para a proteção do objeto desta ação, a suspensão da eficácia do documento até o julgamento do feito.

 

Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA para o fim de determinar:

 

a) a suspensão da eficácia do Termo de Cessão de Uso n. 72, celebrado entre DNIT e Município de Miguel Pereira/RJ, que visa à transferência da locomotiva a vapor classe Pacific, n. 53, Fabricante Baldwin Locomotive Works, ano 1920, do Museu Ferroviário de Tubarão/SC para o Município de Miguel Pereira/RJ;

 

b) a obrigação de não fazer, destinadas aos réus DNIT e Município de Miguel Pereira/RJ, para que se abstenham de qualquer ato tendente a a retirar a locomotiva, ou qualquer outro bem do acervo do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, sob pena de multa, solidária, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

 

Intimem-se, com urgência.

 

Citem-se.

 

À Secretaria para que promova o cadastramento, no sistema de processo eletrônico, do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, na condição de coautor da ação.

 

Cumpra-se.


Documento eletrônico assinado por RAFAEL SELAU CARMONA, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 720003873229v25 e do código CRC 071cb5e1.